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Entenda a revolução no mercado de trabalho brasileiro após a crise econômica

3 de fevereiro de 2020
Bravo GRC

João Libanori*

O mercado de trabalho sofreu grandes alterações estruturais nos últimos cinco anos. A crise econômica que assolou o Brasil entre o final de 2014 e início de 2017, por exemplo, elevou drasticamente a taxa de desemprego, que saltou de 6,5% para 13,7% no período. O cenário começou a melhorar apenas no final do 1º trimestre de 2017, conforme representação abaixo[1]:

A elevação do desemprego, por si só, demonstra uma alteração na oferta e na demanda por profissionais, sendo sempre alguns setores mais impactados que outros. O efeito dificilmente é homogêneo na economia, principalmente, porque nesta crise, o mercado também foi muito impactado pelas denúncias de corrupção envolvendo grandes players da indústria brasileira, como foi o caso de frigoríficos, de construtoras e do setor de óleo e gás. O investimento em ativos que ampliam a capacidade produtiva (Formação Bruta de Capital Fixo), como maquinário, por exemplo, caiu cerca de 25% no período[2], evidenciando o tamanho do impacto na economia:

Brasil: Investimento (FBCF), em número índice trimestral, dessazonalizado, 2004-2017

A indústria é o setor brasileiro que historicamente mais demanda investimentos em capital produtivo, portanto sua variação nos últimos anos evidencia como o setor sofreu um grande revés durante a crise. Conforme a publicação da CNI em agosto de 2019, o relatório Fator Econômico 9[3] aponta que enquanto o PIB chegou a cair cerca de 8%, entre 2014 e 2016, a o PIB Industrial caiu cerca de 14%:

Como uma tempestade perfeita em um grande mercado de trabalho específico, a carreira dos engenheiros foi duramente impactada pelo desemprego. Sua maior demanda sempre esteve na indústria. Para exemplificar a dimensão do impacto no mercado de trabalho, muitos optaram por minimizar a queda da renda trabalhando como motoristas de aplicativo. No artigo “Aos engenheiros que continuam Uber”, redigido por Ronaldo Gusmão, Presidente do Ietec e da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME) para o jornal Estado de Minas[4], é destacado que entre 2015 e 2019 cerca de 47 mil postos de trabalho para engenheiros foram fechados no país e, nesse mesmo período, foram formados cerca de 400 mil engenheiros no Brasil. Recém formados procuraram vagas relacionadas ao seu bacharel no mercado de trabalho, mas o setor industrial estava em crise. Muitos buscaram alternativas no mercado financeiro ou em setores relacionados, como seguradoras, que demandam o conhecimento quantitativo e perfil de solução de problemas.

Curiosamente, apesar de todo esse panorama negativo dos últimos anos, o curso de Engenharia Civil foi o 5º bacharelado mais procurado de 2018, com cerca de 318 mil matrículas, de acordo com o Censo da Educação Superior realizado pelo MEC/Inep[5], publicado em Setembro de 2019. Ao verificar os 10 cursos de graduação com mais matrículas em 2018, pode-se levantar questionamentos sobre o alinhamento entre a demanda por graduação e a realidade do mercado de trabalho brasileiro:

Surpreende do ponto de vista econômico que em 2018 e, talvez, ainda hoje, 2020, o Brasil tenha mais futuros professores de educação física matriculados em curso superior do que futuros analistas de Sistemas de Informação. Também podemos refletir sobre a economia do futuro: sua sustentação será na proporção de 5 advogados para 1 analista de Tecnologia da Informação? Todas as profissões desempenham um papel importante na sociedade, mas pensando no desenvolvimento econômico do Brasil, será que as oportunidades no mercado de trabalho seguem a proporção de matrículas divulgada pelo MEC?  

A plataforma americana Glassdoor, que comprou o site Love Mondays, publicou em 14 de janeiro deste ano seu levantamento anual dos 50 melhores empregos nos Estados Unidos para 2020 (50 Best Jobs in America for 2020[6]). Dos 10 melhores empregos, sete estão diretamente relacionados a Tecnologia da Informação e os outros três indiretamente (Product Manager, Strategy Manager e Business Development Manager):

Também podem ser destacadas as profissões de HR Manager (12º), que naturalmente terão maior destaque na busca e retenção dos novos talentos necessários para a sustentação digital que as empresas precisam. Outras duas carreiras que vêm crescendo em demanda são Compliance Manager (28º) e Risk Manager (31º), que ano após ano obtém maior importância no mercado. A questão é que hoje, e cada vez mais nos próximos anos, a maioria das profissões do ranking já depende de tecnologia para serem cada vez mais eficazes e eficientes em suas atribuições. Hoje, se o time de Attraction do RH não utilizar ferramentas digitais para refinar as buscas por candidatos as suas vagas, sua produtividade será muito baixa. Programas de Compliance e de Gestão de Riscos que necessitam de no mínimo uma semana para gerar um relatório executivo, certamente necessitam de tecnologia para serem mais tempestivos. As profissões e os profissionais analógicos estão perdendo e continuaram perdendo espaço. O futuro é digital.

As perspectivas para 2020 são claras em relação aos profissionais de Tecnologia da Informação: mais oportunidades, maiores salários, perspectivas de carreira e oportunidades de empreendedorismo. A natureza da Engenharia é criadora, mas hoje, no mercado de trabalho brasileiro, estão na vanguarda os que criam e realizam a manutenção de estruturas digitais. Os graduados em Ciências da Computação, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Sistemas de Informação e Engenharia da Computação, por exemplo, estão criando um mundo extremamente dinâmico que não dispõe tanto de limites físicos como as engenharias tradicionais. É uma mudança de paradigma com impactos claros no mercado de trabalho.

Os Estados Unidos dispõem de uma grande indústria de tecnologia, tanto em quantidade de empresas quanto em faturamento, o que naturalmente o coloca como o país do ocidente na dianteira da demanda por profissionais de Tecnologia da Informação. Ainda assim, o Brasil também dispõe de seus próprios unicórnios. O seu 11º, a startup de real estate Loft[7], surgiu agora em Janeiro de 2020. O Brasil também dispõe de cases de sucesso em indústrias consolidadas, a exemplo do mercado financeiro, onde seu ambiente de Tecnologia da Informação é extremamente sofisticado em relação aos competidores globais. A transformação digital do setor, bem como de seus clientes, é latente. Conforme apresentado no relatório 2019 FEBRABAN Banking Technology Survey[8], conduzido pela Deloitte, em 2018, as transferências via smartphones já representam cerca de 40% de todas as transações bancárias do país.

Para dar sustentação à revolução digital foram investidos cerca de R$ 20 bilhões em tecnologia e as perspectivas são de elevação desse investimento. Há uma demanda por profissionais de tecnologia qualificados que não consegue ser suprida adequadamente, de tal forma que os processos seletivos também vêm cada vez mais sendo inovadores: o Cubo Itáu, por exemplo, anunciou recentemente que promoverá um evento para selecionar 300 novos desenvolvedores[9], conforme reportagem da Gazeta do Povo. O mercado clama por mais profissionais de TI.

A percepção que fica após navegar pelo Censo da Educação Superior Brasileira de 2018, sabendo das oportunidades em tecnologia da informação presentes no mercado de trabalho e vendo a transformação digital acontecer no nosso dia a dia, é, no mínimo, de contradição. Há uma desconexão entre as preferências acadêmicas dos jovens brasileiros e o mercado de trabalho. Ao lembrar da minha turma que se formou no Ensino Médio, à exceção de alguns poucos em Engenharia Mecatrônica, não me lembro de colegas com interesse nas áreas relacionadas a TI. Quase a totalidade ficou entre Publicidade, Administração, Economia, Medicina, Direito e Engenharia. A questão é que a oferta por profissionais de TI não aumenta na mesma intensidade que o mercado de trabalho precisa. As empresas precisam ir urgentemente às escolas para apresentar as carreiras e as oportunidades, remover preconceitos e concepções antiquadas e convencer os alunos a buscar uma formação em Tecnologia da Informação. Os professores também precisam fazer parte dessa aproximação. Apesar de ser óbvio há anos, Tecnologia da Informação é o futuro. O aumento da demanda por seus profissionais, mesmo sob uma grande crise econômica, é evidência dessa tendência. A revolução no mercado de trabalho já aconteceu e os jovens precisam acompanhá-la.

*João Libanori é GRC Methodology Supervisor da Bravo GRC.


[1] IBGE, PNAD Contínua 2018. Sítio de internet: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20995-desemprego-volta-a-crescer-no-primeiro-trimestre-de-2018

[2] Sicsu, João, 2019, Revista de Economia Contemporânea, UFRJ. Sítio de internet: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-98482019000100205&script=sci_arttext&tlng=pt

[3] CNI, Fato Econômico 9, Agosto de 2019. Sítio de Internet: https://bucket-gw-cni-static-cms-si.s3.amazonaws.com/media/filer_public/bf/cc/bfccbab0-b5c3-4437-ac45-44bc6ccd36c8/fato_economico_9_-_sinal_positivo_na_industria_-_ago19.pdf

[4] Aos Engenheiros que Continuam Uber, Estado de Minas, 21/01/2020; Sítio de internet: https://www.em.com.br/app/noticia/opiniao/2020/01/21/interna_opiniao,1115676/aos-engenheiros-que-continuam-uber.shtml

[5] Censo da Educação Superior 2018, INEP/MEC. Setembro, 2019. Sítio de internet: http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2019/apresentacao_censo_superior2018.pdf

[6] 50 Best Jobs in America for 2020, Glassdoor, Janeiro, 2019. Sítio de internet: https://www.glassdoor.com/blog/the-best-jobs-in-america-2020/

[7] The Brazil Tech and Innovation Roundup: We Have A New Unicorn, Forbes, Janeiro de 2020. Sítio de internet: https://www.forbes.com/sites/angelicamarideoliveira/2020/01/10/brazil-tech–innovation-roundup-11020-we-have-a-new-unicorn/#200c940e4f2e

[8] 2019 FEBRABAN Banking Technology Survey, FEBRABAN, Delloite, Janeiro de 2020. Sítio de internet:https://www2.deloitte.com/br/en/pages/financial-services/articles/pesquisa-deloitte-febraban-tecnologia-bancaria.html

[9] Cubo Itaú promove evento de TI para selecionar 300 desenvolvedores, Gazeta do Povo, Janeiro de 2020. Sítio de internet: https://www.gazetadopovo.com.br/gazz-conecta/cubo-itau-promove-evento-de-ti-para-selecionar-300-desenvolvedores/

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